Eu me lembro da primeira vez que percebi que algo não estava normal. Era o aniversário de 80 anos da bachan, estávamos à mesa almoçando e meu filho Leon que pouco mais tinha do que um ano, dava seus passinhos desequilibrados pela sala, fazendo bagunça e dando risadas.
Minha vó então surpresa, olhou para o lado, sorriu e disse:
– Olha! Tem uma criança aqui!
– Sim bachan, é meu filho! Eu respondi.
Ela então olhou para mim com um olhar distante:
– Seu filho?
– Sim bachan, meu filho.
Silêncio.
Mais olhares perdidos…
– Bachan, você sabe quem sou eu?
Silêncio e dúvida.
– Bachan, eu sou a Marjorie, sua neta mais velha, lembra?
– Minha neta?
– Bachan, você sabe de quem eu sou filha?
– De quem você escolheu ser! E deu um sorriso enorme.
Dei risada junto com ela e logo depois o olhar se perdeu novamente.
Leon fez alguma gracinha e ela surpresa disse:
-Olha! Tem uma criança aqui!
Desde esse dia, 5 anos se passaram e tudo que fazia a minha vó ser quem ela era, uma mulher intensa, intelectual, forte e independente, ficou no passado. Tudo aconteceu tão rápido e ao mesmo tempo tão prolongado…
Aos poucos os almoços passaram a ser acompanhados, os olhares ficaram mais perdidos, e os silêncios cada vez maiores…
Mas as crianças ainda a fazem sorrir.
“Oyasumi Bachan” *Boa noite vovó
(Tiseko Yamaguchi)
Marjô Mizumoto
2021-2022
Óleo sobre tela
120 x 160 x 3,5 cm
(Coleção Sérgio Carvalho)
Fotografia Filipe Berndt
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